Hoje entrei oficialmente num
processo de me livrar das coisas. Roupas, sapatos, livros, discos, arquivos,
cartas, saudades e até mesmo sonhos...
Preciso me dar o direito de adquirir
novos ares, um espaço novo, só meu. Dedicado às ideias que ainda vou ter. Em
uma terra distante daqui chamada pensamento.
Começar pelos bens materiais facilita
muito as coisas porque ver efetivamente o que é seu indo embora, para longe de
você, te causa dor. Nada apenas se vai, mas a memória daquele objeto leva consigo
uma noite inesquecível, um almoço alegre, um jantar revelador, uma balada
antiga, sonhos, sonhos e mais sonhos... Dói porque que tem doer. Porque se não
há dor, não a passagem, não há rompimento e nem tão pouco libertação.
A dor tira as forças para
recomeçar, causa entrega, desespero, teto preto, aniquilação parcial da
capacidade de sonhar.
Mas quando você consegue
recomeçar... Tudo tem um novo sabor. Como se fosse a primeira vez que você
pudesse ouvir uma música ou ir a um antigo lugar. É como olhar uma foto
amarelada pelo tempo, tentando enxergar que outras cores ela poderia ter. É a
possibilidade de reviver, de escolher como você quer seguir seu caminho.
E com isso, você ainda leva de
brinde a chance de ser expectador de uma nova felicidade quando alguém herda um
objeto que foi seu ou até mesmo um sonho. É experimentar, sobre uma nova ótica,
um novo-antigo prazer.
E a felicidade de um novo sorriso
será compensador.
Preciso de espaço para novas
escolhas, novos planos, novas histórias. Preciso de espaço para um novo modo de
me vestir, para retomar minha autenticidade, para reencontrar “aquele alguém”
que deixei no meio do caminho. Aquele alguém que nasceu no mesmo dia que eu,
tem meu nome, divide comigo o número da minha identidade e que sofre de insônia
como eu quando gasta de mais ou quando passa o dia arrastado por ter lido um
livro em apenas uma noite.
Eu não sei parar.
É como se o mundo me esmagasse
toda manhã. Com uma bateria enorme de novidades incríveis. Novidades as quais
quero beber delas, sorvê-las, cada vez mais e mais. Porque sei que após
espreguiçar-me, se não despertar de fato, terei perdido o fio da meada de um
dia possivelmente incrível.
Como todos os outros foram ou serão,
entende!?
Enxergar possibilidades,
desfragmentar meu HD interno, abrir espaços em minha mente para estabelecer
novas metas, reorganizar as antigas e cumpri-las. Listas e mais listas foram
feitas ao longo da minha vida. Controladoras, severas, taxativas. Já cheguei a
criar uma que continha mais de 100 itens. Não reconheço nem 20 como executados.
Entre eles estão compras de artigos que já saíram de moda, coisas que gostaria
de aprender a fazer, palavras que deveria dizer a alguém, economia de dinheiro,
viagens...
Uma vez, li em uma revista
feminina que era importante fazermos listas com nossos objetivos e riscá-los
conforme íamos conquistando-os, que isso nos daria força para alcançarmos os
outros. Hoje descobri o quanto esse processo é dolorido e que eu não funciono
sobre pressão.
Porque sempre quis muitas
coisas...
E a maioria delas sempre foram
coisas muito difíceis.
Pois é... Pessoas que me conhecem
diriam que eu as escolhi a dedo. Coisas impossíveis para alimentar minha autocomiseração.
Pena de si mesmo é um grande aditivo para depressão.
E eu só sei disso porque hoje
consigo perceber o quanto eu fui deprimida em um grande e importante momento da
minha vida.
O que me salvou foi a ignorância.
Foi ser tão jovem a ponto de não saber nada sobre as coisas que escrevo agora.
Foi achar que acumular bens e sonhos era fundamental para crescer.
Hoje gostaria de poder, de alguma
forma, retomar aquela “ignorância”. Não saber às vezes faz a gente ser mais
feliz.
O que importa agora é levar a
vida a sério, sem perder a alegria das conquistas, o prazer de estar com quem
se ama, escrever uma bonita história e se tornar importante a ponto de não ser
esquecido.
Assim como você, que acabou de
ler isso agora, significa para mim.